Juventus era um pequeno agricultor que levava uma vida muito humilde na área rural de uma pequena cidade. Não tinha condição financeira boa o suficiente para investir em suas terras: trabalhava em condições muito precárias. Ele só tinha dois ajudantes que trabalhavam para ele: um deles era já velho e pouco fazia no serviço; o outro, Adamias, era um homem muito simplório e de constituição física fraca. Os dois eram solitários no mundo e só trabalhavam naquela terra em troca de moradia e comida já que Juventus não tinha como pagá-los. A pequena produção da terra mal dava para as despesas básicas da casa. Juventus vivia reclamando da vida. Dizia que não tinha como fazer a propriedade produzir mais se não tivesse mais empregados para arar a terra e cultivar a lavoura. Ele lamentava não ter como comprar boas sementes, lamentava não ter dinheiro para comprar adubo de boa qualidade, lamentava ter que usar enxadas velhas, pás estragadas, enfim, lamentava muito.
Certa manhã, muito triste e, lamentando, como sempre, Juventus sentou-se no chão da varanda da cozinha e cochilou. Quando de repente um som crepitante acordou-o. Era como pequenas gotas de água caindo em cima de um piso liso, porém o som mais forte. Quando ele abriu os olhos, na direção do sol, viu uma luz se movendo de um lado para outro e de cima para baixo de forma irregular. Pensou por um instante ser um vaga-lume já que os movimentos eram condizentes. A luz então ficou quase parada num só lugar e ele pode entender o que era. Parecia ter asas. Era magra e branca. Rosto delicado e jovial. Era uma fada! Difícil de reconhecer já que estava na frente do sol, mas era uma linda fadinha de roupa dourada. Mesmo ofuscado pelos raios fortes do sol, Juventus ficou fitando a fada.
--- Juventus, vou te ajudar. Você merece uma chance. Não mais vai precisar se lamentar. --- Disse a fada.
--- Mas… ajudar como? Você é só uma fadinha! --- Juventus não sabia que a real missão de uma fada é determinar o destino das pessoas.
A fada então disse:
--- Você terá muitos lavradores, boas sementes, adubo de boa qualidade e ferramentas novas! Não é maravilhoso!
--- Claro! --- Exclamou ele com os olhos brilhantes de alegria.
Mas as coisas não poderiam ser tão fáceis assim. Foi então que apareceu a irmã da fadinha. Usava um vestido vermelho; tinha um rosto bonito mas mais maduro e austero. Sua chegada foi de supetão. Ela já foi logo prevenindo a irmã:
--- Isso não vai dar certo.
--- Vai sim! Nada pode dar errado quando ele tiver tudo que precisa. --- Retrucou a irmã dourada.
--- Você sabe que tenho que impor as minhas condições para que ele mantenha tudo que ganhar. É o meu trabalho! --- Finalizou firmemente a fada vermelha. Depois de um rápido silêncio, a fada vermelha olhou para Juventus analisando-o. Com tom de voz soberano ela disse: --- Tu terás poder de ordem, mas não deixes que a impaciência de ti se aposse; tu terás quem para ti trabalhe, mas não deixe que deste tu te afastes; tu terás proventos, mas não deixe que seu apreço seja exacerbado; tu terás mesa farta, mas não deixe que seus olhos cresçam mais que ela; tu terás condições de prover prazeres da carne, mas não se permita para estes perder seu controle; tu terás evidência entre outrem, mas não deixe de lembrar do seu passado; e, finalmente, tu terás arrependimento, mas não se deixe desejar o caminho de outrem.
--- O que foi que ela disse? --- Perguntou Juventus. A fada vermelha fez cara de desistência total. Ele não tinha entendido bulhufas do que ela havia dito.
--- Não liga não! Ela só estava te pondo medo. --- Explicou a fada dourada.
--- Você sabe que eles não aguentam. É sempre assim. E eu acabo vencendo. --- Disse a fada vermelha para a irmã.
--- Não o Juventus. Ele é um bom homem. Fará tudo direitinho depois que tiver tudo que precisa. --- Falou para a irmã vermelha. Depois virou-se para Juventus. --- Não é, Juventus?
--- Claro! Farei tudo direitinho quando tiver o que preciso. --- Reforçou ele.
--- Agora deite-se e volte a dormir. --- Disse imperativamente a fada vermelha.
--- Mas… os empregados, e as ferramentas… --- Perguntou ele.
--- Durma, Juventus! Vamos cuidar de tudo! --- Explicou docemente a fada dourada.
Juventus resolveu obedecer a fada. Depois de uns quinze minutos dormindo ele acordou. Nada parecia ter mudado à sua volta. Ele pensou ter sido um sonho bobo então não deu muita atenção. Levantou-se e foi para dentro.
Minutos depois, alguém bateu à sua porta. Era um fazendeiro vizinho de Juventus.
--- Bom dia! Eu tô com dois sacos de sementes de milho aqui e vim trazer pra você. Elas vão ficar velhas e eu sei que você ta precisando. --- Disse o homem.
--- Mas eu não tenho como pagar… --- Explicou Juventus.
--- Não precisa pagar nada agora não. Quando você colher me manda uma mão de milho que tá pago. Minha esposa adora fazer pamonha. --- Explicou o fazendeiro.
Juventus abriu um largo sorriso. Levou os sacos para dentro feliz da vida.
Pouco depois, ele resolveu ir à cidade. Não tinha nada para fazer por lá mas foi mesmo sem saber pra quê. Quando passou na porta da loja de produtos agrícolas, ouviu seu nome.
--- Juventus! Ô Juventus! --- Gritou um homem da porta da loja.
Havia muitos homens na porta da loja. Juventus nunca vira o lugar tão cheio como naquele dia. Olhou tentando descobrir qual deles havia chamado-o: era Fael, o dono da loja que acenava para ele chamando com a mão. Juventus foi ver o que era.
--- Que foi, homem? --- Indagou ele.
--- Seu Quincúncio mudou-se para o litoral e largou a fazenda. Tá querendo vender. Os empregados da fazenda Araruta estão todos desempregados. Eles querem trabalho porque precisam com urgência.
--- Mas eu não to podendo pagar. – Disse Juventus.
--- Eles esperam pra receber na colheita.
--- Não tenho dinheiro pra comprar adubo. É muito caro, você bem sabe.
--- Posso vender fiado. Você me paga quando vender a safra.
Juventus ficou achando tudo tão estranho que resolveu investigar. Não estava acreditando em Fael. Entrou na loja e perguntou aos homens que ali estavam.
--- Vocês querem trabalhar para mim?
--- Sim! --- Todos responderam.
--- Só poderei pagar quando colher. Podem esperar? --- Explicou Juventus.
--- Isso podemos esperar. Só não temos onde ficar… --- Antecipou-se um deles.
--- Tenho alojamento grande lá na minha roça. Só que não tenho comida pra todos. --- Disse Juventus.
--- A gente ganhou muita coisa da fazenda Araruta. Seu Quincúncio deu milho, mandioca, batata, feijão, salame, ovos, repolho, até arroz! --- Explicou outro lavrador.
Juventus notou que eles estavam com ferramentas nas mãos. Pás, enxadas, enxadões, rastelos.
--- Essas ferramentas são de vocês? --- Perguntou Juventus.
--- Sim. O patrão comprou pra gente uma semana antes de manda a gente embora. Elas estão novinhas. --- Respondeu um gordinho.
--- Ele não tinha como pagar tudo então deu as ferramentas como parte do pagamento.
Juventus pegou o adubo e chamou os lavradores pra casa. A essa hora ele já sabia pra quê havia ido à cidade.
No dia seguinte, acordaram cedo para trabalhar. Araram, adubaram, semearam e plantaram. Juventus estava muito empolgado.
No dia seguinte, na lavoura, Juventus notou que, dentre os empregados, havia um que era um pouco mais lento que os outros. Era o gordinho. Às vezes, parava para respirar, enxugava o suor da testa e bebia água. Juventus foi ficando irritado com aquela lentidão. Foi então que ele se aproximou do rapaz e lhe disse furioso:
--- Qual é o seu problema com essa moleza? Tá pensando que tá em descanso? Todos estão trabalhando só você que tá ai relaxando! --- Os trabalhadores que estavam próximos pararam o serviço quando ouviram. Ficaram olhando para Juventus que não demonstrou arrependimento.
Pouco tempo depois, no mesmo dia, o gordinho de novo dando uma pausa para respirar. Juventus se aproximou ainda mais furioso:
--- Você é surdo? --- Gritou no ouvido do homem. --- Eu disse que é para trabalhar! Não para descansar!!! --- Dessa vez, o grito de Juventus foi ouvido de longe e todos pararam para olhar a bronca.
Poucos dias depois Juventus passou a não ir mais para a lavoura com os empregados. Encostou sua enxada na parede e lá ela ficou por muito tempo. Ele ficava na varanda observando os empregados até onde a vista alcançava. Só saía de lá quando ia comer e depois voltava. Sempre deitado na rede descansando, o que perdurou por muitas semanas.
Foi então que veio a colheita. As espigas de milho da colheita de Juventus eram enormes e viçosas. Jamais se vira grãos tão grandes e amarelos. Na cidade, não se falava em outra coisa. Juventus vendeu toda a colheita em dois dias. Ninguém jamais vendera uma colheita tão grande em tão pouco tempo assim. A maioria comprou para usar como semente na esperança de produzir lavoura igualmente épica.
Com bastante dinheiro no bolso, Juventus comprou mais sementes e mais adubo; pagou os empregados e melhorou sua casa com uma boa reforma. Sua mesa agora era farta; todos os dias tinha pratos requintados. Contratou um cozinheiro profissional. Sua dispensa era cheia. Aprendera a comer até coisas que nunca tivera a chance de conhecer. Eram guloseimas exóticas, sobremesas da realeza, aves nobres, frutas importadas, as melhores castanhas, enfim, coisa de rei. Juventus passava o dia a comer. A cada teco na boca era um gemido de prazer: “Humm!” Claro que com o tempo ele ficou enorme de gordo. Na cidade, alguns nem o reconheciam. Toda essa luxúria glutônica nunca era compartilhada: somente ele e mais ninguém na casa sentava-se à mesa ou desfrutava dos mesmos prazeres palatinais. Os lavradores e empregados comiam a mesma comida simples de antes. Nem Adamias que era o encarregado, seu braço direito na roça, que gerenciava os lavradores, nem esse que era de confiança de Juventus podia comer com ele.
Mais um tempo se passou e Juventus adquiriu grande apreço por bebidas alcoólicas. Encomendava sempre vinhos importados, cachaças dos melhores alambiques do país, licores sofisticados… Todos os dias era um porre. Pela manhã já tomava seus tragos. Às vezes de dia ele já estava caindo pelas tabelas.
A colheita seguinte chegou e novamente a melhor da região. Juventus estava muito feliz aproveitando muito a vida de novo-rico. Fez algumas viagens onde comprou roupas caras e sapatos importados. Ele conhecera mulheres lindas que ficaram com ele pelo seu dinheiro e fazia questão de passear com elas no centro da cidade para exibir-se.
Com o tempo veio uma nova colheita de sucesso ainda maior. A produção da roça de Juventus era invejável novamente: espigas enormes de grãos grandes e bonitos. Não havia sequer um indício de qualquer tipo de praga. Desta vez, Juventus guardara bem o dinheiro. Não gastara com nada nada e, nem mesmo com bebidas alcoólicas especiais ele despendeu seu rico dinheiro. Passara a comer como os empregados e a mesma comida que eles. Às vezes, até comiam mal, sem mistura ou arroz quebrado. Isso porque Juventus queria poupar dinheiro. Cada centavo que entrava ele computava e guardava.
Uma vez, um de seus empregados ficou doente. Como os outros empregados, não lhe tinha sido possível guardar reserva de dinheiro portanto não tinha como pagar por uma consulta muito menos como comprar medicação. Um deles chegou em Juventus para pedir que comprasse o remédio:
--- Não tenho nada com isso! Cada um que compre o que precisa. Se ele já gastou o salário dele que espere o próximo. --- Disse Juventus friamente.
Depois de tanto arder em febre, o homem amanheceu morto na manhã do terceiro dia.
Sete dias depois, Juventus acordou tarde e foi na cozinha comer alguma coisa como de costume. Notou que tudo estava diferente. O cozinheiro lá não estava e não havia comida alguma na cozinha. Foi na varanda e não viu nenhum empregado trabalhando. Sua plantação, que estava a meio caminho da colheita, estava totalmente seca. No alojamento, não havia qualquer vestígio de gente: roupas, calçados… totalmente vazio! Rapidamente, veio-lhe na cabeça a preocupação com seu dinheiro guardado. Foi ver: havia sumido, tudo!!! Até sacas de milho que ainda ficaram da última colheita, tudo fora levado. Não havia nada na dispensa muito menos os vinhos importados que restavam. Também os dois únicos empregados que ele tinha antes de virem os outros, ninguém estava lá. Juventus começou a chorar. Lembrava de tudo que havia tido e tudo o que não havia tido antes das fadas aparecerem para ele. Analisou a situação e comparou com o tempo que era só ele e os dois empregados, quando não tinha sementes nem dinheiro para comprar adubo. Porém agora era pior, bem pior. Ele agora não tinha nem mesmo para as despesas básicas de casa. Nem os dois empregados antigos estavam mais lá. E o mais terrível: ele agora sentira o gostinho de ter uma vida próspera e perdera tudo!
Juventus continuou sua vidinha medíocre e solitária. Pegou na enxada até então esquecida e plantou alguns pés de milho com algumas sementes que encontrara caídas no depósito. Cozinhou algumas mandiocas que restaram no balaio e comeu. Era um homem maltrapilho (até suas roupas finas haviam desaparecido) vivendo de migalhas, quase passando fome.
Ao lado da propriedade de Juventus havia uma roça à venda fazia já uns dois anos. Era uma terra muito ruim pois já ficava perto de montanhas pedrosas. Era um chão quase improdutivo de tanto pedregulho que tinha.
Certo dia, Juventus foi a cidade ver se conseguia comprar fiado um pouco de adubo e sementes como conseguira no passado. O senhor Fael nem esperou ele acabar de falar pois não havia a menor chance. Quando passou pela propriedade à venda, notou que tinha muita gente trabalhando nela. Aproximou-se para ver: eram todos os seus ex empregados estavam lá lavorando. Juventus abaixou a cabeça e foi para casa.
Algum tempo depois, a propriedade vizinha estava toda verde coberta de pés de melancia. O chão parecia um grande tapete verde bordado com enormes pérolas verdes. O cheiro preenchia o ar que chegava até a casa de Juventus. Era tão linda a plantação que parecia uma pintura a óleo. Juventus olhava aquelas esmeraldas doces no chão e pensava: “Nunca vi nada igual! Isso só pode ser obra divina! Como eu gostaria de ter uma plantação linda como esta!”
Quando chegou o dia da colheita Juventus fez questão de ir ver. Ficou por perto olhando as grandes melancias serem vendidas na cidade. Os olhos dos moradores brilhavam quando viam as maravilhosas obras da natureza. Não foi preciso o dia chegar ao fim e todas já haviam sido vendidas. O dono voltou para casa com os bolsos transbordando dinheiro e um sorriso largo no rosto. Juventus, que assistia tudo de longe, sangrava o coração calado. Pensou que um dia fora tão próspero quanto aquele homem com sua colheita de milho de dar inveja. De bolsos e estômago vazio, voltou para casa chorando; deitou-se na varanda como costumava fazer e adormeceu. Acordou com o barulho crepitante das fadas.
--- Juventus! Acorde! --- Disse a fada vermelha.
--- Ah! Vocês de novo? --- Exclamou ele.
--- Não está contente em nos ver? --- Perguntou a fada dourada.
--- Vocês me tiraram tudo o que eu consegui. Como poderia estar contente ao vê-las?
--- Mas olha… --- ia dizendo a fada vermelha furiosa quando foi interrompida pela irmã.
--- Psiu! Deixa que eu falo. Já não é suficiente ele estar nessa situação você ainda quer torturá-lo? --- Disse ela firmemente. Depois voltou para Juventus: --- Juventus! Minha irmã te avisou tudo direitinho. Para você não fazer… para você evitar! Mas você a ignorou! Nós te demos tudo do bom e do melhor. Era só você se controlar.
A fada vermelha se aproximou e começou:
--- Pedi para você ter paciência e você se enfureceu com um humilde lavrador; pedi para você não se afastar do trabalho e você aposentou sua enxada; pedi para você não ter apreço exacerbado à matéria e você ficou avarento; pedi para você não deixar os olhos ficarem maior que a barriga e você mergulhou na gula; pedi para você não se entregar ao vício dos prazeres da carne e você se entregou à luxúria; pedi para você se lembrar do quão modesto foi no passado e você se envaideceu com seu poder; pedi para teres humildade de aceitar suas situação financeira e você teve inveja do seu vizinho. --- À medida que ela ia falando Juventus foi se curvando, fechando-se em posição fetal. No final, não aguentou e começou a chorar baixinho. Pranto angustiado. Sentia grande dor na alma.
--- Juventus! --- Disse a fada dourada docemente, comovida com a situação de Juventus. --- Eu não posso mudar as regras para te ajudar. Sinto muito!
Juventus ficou chorando até adormecer.
No dia seguinte, ele conseguiu vender sua propriedade e mudou-se para uma cidade bem distante. Comprou uma casinha pequena e arrumou trabalho na lavoura de café de um pequeno produtor da região. Era um homem muito bom e tratava bem todos os empregados. Vivia solitário e não tinha parentes. Juventus tornara-se encarregado da lavoura, trabalho que desempenhara com grande seriedade. Seu empenho resultou numa grande e próspera colheita o que conquistou o apreço do patrão. Ele agora era o seu braço direito. Os dois desenvolveram uma grande amizade e consideração.
Pouco mais de um ano depois, o dono da propriedade morreu deixando a propriedade como herança para Juventus. Este fez bom proveito de tudo: manteve os empregados, tratando-os muito bem, comendo com eles, dando assistência pra tudo o que precisavam. Na cidade todos o conheciam como ótimo patrão. Todos os lavradores da cidade queriam trabalhar para ele. Juventus levava uma vida modesta mas não passava falta do necessário: tinha uma propriedade que produzia bem; tinha bons empregados; fins de semana ele passeava na cidade para namorar e beber com os amigos. Tinha uma vida feliz!
Fim